Complemento da Ação: Cuida-se do Projeto de Lei Ordinária nº 064/2025, de autoria do Poder Executivo Municipal, que “INSTITUI O PROGRAMA MUNICIPAL DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS 2025 E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. Consta nos autos ofício de encaminhamento da proposição com pedido de Urgência Especial, Mensagem ao projeto de lei e respectivo texto normativo.
Observados os trâmites regimentais, o projeto foi submetido à publicidade e à deliberação na 30ª Sessão Ordinária do presente exercício legislativo, sendo aprovada a urgência especial e, em sequência, encaminhado a esta Procuradoria para manifestação jurídica.
Nos termos do art. 30, inciso I e III, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), combinado com o art. 8º, inciso I e art. 12, inciso I, da Lei Orgânica do Município de Itapemirim (LOM), compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local. Desta forma, a matéria não conflita com a competência privativa da União Federal (art. 22 da CRFB), bem como não conflita com a competência concorrente entre os Entes Federativos (art. 24 da CRFB).
A iniciativa legislativa no âmbito municipal é regida, entre outros dispositivos, pelo art. 124 da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, que expressamente prevê que a apresentação de projetos de lei cabe a qualquer vereador, às comissões permanentes, ao prefeito e aos cidadãos, ressalvadas as hipóteses de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, conforme determinação legal específica. O art. 36, inciso II, da Lei Orgânica Municipal estabelece ser de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo a proposição de matérias como a tratada no presente Projeto de Lei, de modo que, considerando a autoria da proposição, verifica-se sua adequação legal.
Quanto ao mérito da proposição, verifica-se que se destina à instituição do Programa Municipal de Recuperação Fiscal – REFIS 2025, voltado à regularização de créditos tributários e não tributários vencidos até 31 de dezembro de 2024, inclusive os decorrentes de autos de infração e obrigações acessórias. O programa abrange débitos inscritos ou não em dívida ativa, ainda que ajuizados, protestados ou com exigibilidade suspensa, excetuados apenas aqueles com depósitos judiciais. Sua execução ficará a cargo da Secretaria de Finanças e da Procuradoria Geral do Município, mediante adesão formal do contribuinte e assinatura de termo de confissão de dívida.
O projeto disciplina condições específicas de adesão, como o pagamento de entrada mínima de 10% do débito, ou de 30% nos casos de parcelamentos cancelados, com possibilidade de quitação à vista ou em até 24 parcelas, conforme tabela anexa que prevê descontos progressivos de até 90% sobre multas e juros. Estabelece, ainda, que a adesão implica renúncia a defesas e recursos administrativos ou judiciais, confissão irrevogável da dívida e responsabilidade pelo pagamento de custas e honorários. Por fim, autoriza o Executivo a regulamentar a lei por decreto, prorrogar o prazo de adesão e promover ajustes orçamentários necessários à execução da medida.
A Constituição da República estabelece, em seu art. 150, § 6º, que qualquer isenção, anistia ou benefício fiscal somente pode ser concedido mediante lei específica, exigência que confere ao programa de recuperação fiscal fundamento de validade formal e material, desde que observadas as limitações constitucionais pertinentes.
No âmbito infraconstitucional, o Código Tributário Nacional prevê, em seu art. 155-A, a possibilidade de parcelamento de débitos tributários, desde que instituído por lei específica, evidenciando que o REFIS configura espécie de parcelamento especial. Ainda, o art. 174, parágrafo único, inciso IV, dispõe que a prescrição se interrompe pela confissão do débito, justamente a condição imposta para adesão ao programa.
O Código Civil, por sua vez, nos arts. 360 a 367, disciplina a novação como forma de extinção da obrigação, o que não se aplica no caso, uma vez que o projeto de lei expressamente afasta essa hipótese. De outro lado, o art. 202, inciso VI, do mesmo diploma legal, estabelece que a prescrição se interrompe pela confissão de dívida, mecanismo adotado no REFIS, que transforma o débito discutido em obrigação líquida e certa, assegurando ao Município maior efetividade na cobrança.
Registre-se, por oportuno, que o Município de Itapemirim já instituiu programas análogos de recuperação fiscal, a exemplo das Leis nº 2.817/2014, nº 3.127/2018 e nº 3.161/2019, todas voltadas à concessão de descontos e condições facilitadas para quitação de débitos tributários e não tributários. Embora o presente projeto de lei não disponha de cláusula expressa de revogação desses diplomas, verifica-se que cada uma dessas normas já previa prazo certo de vigência, o qual se encontra atualmente expirado, razão pela qual não se verifica conflito normativo atual com a proposição em exame.
Sobre a matéria, o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, por meio do Acórdão nº 01164/2020-1, estipulou determinações e recomendações sobre programas de recuperação fiscal. Neste linear, ponderou a Egrégia Corte:
“1.2. No mérito, expedir:
1.2.1. DETERMINAÇÃO ao Chefe do Poder Executivo e ao Secretário de Fazenda do Município de Guarapari/ES, quando da proposição de ato normativo que conceda renúncias de receitas tributárias de sua iniciativa ou submetido à sua apreciação, observe o teor do art. 14, seus incisos e parágrafos, da Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), de modo a fazer constar, de forma clara e pormenorizada, da exposição de motivos:
· Estimativa de impacto orçamentário-financeiro dessas medidas no exercício em que devam iniciar sua vigência e nos 2 (dois) seguintes;
· Demonstração de que a proposta de renúncia de receitas tributárias está adequada à previsão estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias correspondente ao período de sua instituição;
· Demonstração de que a renúncia de receitas tributárias foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual, assim como de não comprometimento das metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias ou, alternativamente, indicação da adoção de uma das medidas de compensação constantes do art. 14, II, da Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);
1.2.2. RECOMENDAÇÃO:
· ao Chefe do Poder Executivo e ao Secretário de Fazenda do Município de Guarapari/ES que instituam normas e procedimentos formais específicos para a realização da estimativa do impacto orçamentário financeiro previsto no caput do art. 14 da Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual deve estar acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas;
· ao Chefe do Poder Executivo e ao Secretário de Fazenda do Município de Guarapari/ES, quando da concessão ou ampliação de renúncias de receitas, providências com vistas a não serem utilizados, como medidas de compensação, o excesso de arrecadação eventualmente proveniente, como forma de atendimento ao art. 14, II, da Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);”
Em observação às determinações e recomendações do TCE-ES, nota-se que houve a Juntada de Documento nº 004/2025 (protocolo 1151/2025), em que se anexa Estimativa de Impacto Orçamentário-Financeiro e Declaração de Adequação Orçamentária.
A formulação legislativa deve observar rigorosamente os preceitos da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Nota-se que ao longo do projeto de lei os dispositivos fazem menção ao “Anexo I”, enquanto à proposta se arrola “Anexo Único”.
Quanto ao quórum necessário para aprovação da matéria, em vista ao que aduz o art. 200 do Regimento Interno, por inexistir previsão expressa em sentido contrário, será adotado no caso em comento a maioria simples como número mínimo de votos para apreciação e aprovação da matéria. Deve-se atentar a imprescindibilidade de análise pelas Comissões de Legislação, Justiça e Redação Final (art. 79 do RI) e Finanças e Orçamento (art. 80 do RI).
Diante do exposto, conclui-se pela constitucionalidade, legalidade e regularidade formal do Projeto de Lei Ordinária nº 064/2025, no que tange à sua iniciativa, à matéria legislada e ao procedimento legislativo aplicável, devendo ser realizada a análise técnica material dos estudos financeiros e orçamentários apresentadas pelo Poder Executivo. Assim, preenchidos os requisitos legais, o projeto encontra-se apto à regular tramitação, devendo ser submetido à apreciação das Comissões Permanentes competentes, seguido de deliberação em turno único, nos termos do art. 151 do RI.
No que tange à verificação da existência de interesse público, a Procuradoria Jurídica não irá se pronunciar, pois caberá tão somente aos vereadores no uso da função legislativa, verificar a viabilidade ou não desta proposição, respeitando-se para tanto as formalidades legais e regimentais.
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