Complemento da Ação: Cuida-se do Veto nº 001/2025, de autoria do Poder Executivo Municipal, que dispõe sobre “Razões do veto integral ao Projeto de Lei Ordinária nº 039/2025, que ‘Institui o Programa de Limpeza e Revitalização da Lagoa Guanandy (Gomes), localizada no Distrito de Itaipava, no Município de Itapemirim/ES’”. Consta nos autos ofício de encaminhamento do veto integral e Mensagem de Veto.
Observados os trâmites regimentais, o projeto foi submetido à publicidade e à deliberação na 31ª Sessão Ordinária do presente exercício legislativo, em sequência, encaminhado a esta Procuradoria para manifestação jurídica.
O veto apresentado pelo Chefe do Executivo fundamenta-se, em síntese, na ocorrência de vício formal de iniciativa, em razão de a proposta dispor sobre atribuições da Administração e a criação de programa de governo de competência privativa do Prefeito; na ausência de compatibilidade orçamentária, diante da inexistência de previsão no PPA, LDO e LOA, em afronta aos princípios da legalidade orçamentária, do planejamento e da responsabilidade fiscal; bem como em possíveis riscos ambientais, por ausência de estudos técnicos, licenciamento e autorizações legais, o que poderia expor o Município a sanções.
Não obstante os fundamentos expostos na Mensagem de Veto, importa destacar que o Projeto de Lei nº 39/2025 não institui despesa nova nem cria obrigações diretas à Administração, mas apenas estabelece diretrizes gerais para a preservação ambiental de bem de interesse local, matéria inserida na competência legislativa municipal (CF, art. 30, I). Ademais, embora a Constituição Federal atribua ao Chefe do Executivo a iniciativa privativa em matérias orçamentárias, admite-se a atuação parlamentar desde que não haja aumento de despesa e se observe pertinência temática, consoante interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.050 MC (rel. Min. Celso de Mello).
No tocante à alegação de ausência de estudos técnicos, licenciamento ambiental e autorizações específicas, cumpre ressaltar que tais exigências constituem requisitos inerentes à fase de execução administrativa da política pública, não condicionando a validade formal do ato legislativo que apenas estabelece diretrizes gerais. Assim, a eventual necessidade de EIA/RIMA ou de autorizações ambientais cabíveis deve ser observada pelo Poder Executivo no momento da implementação das medidas, não se configurando como vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade apto a macular o processo legislativo. Assim, os argumentos de vício de iniciativa e de afronta à responsabilidade fiscal não se revelam, a priori, impeditivos para a validade do projeto, cuja essência encontra respaldo na função legislativa de promoção do interesse público e da proteção ambiental.
A matéria em exame encontra fundamento na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Município de Itapemirim, cabendo ao Regimento Interno desta Casa de Leis dispor sobre os aspectos procedimentais complementares.
À luz da Constituição da República Federativa do Brasil, aplicam-se as disposições do art. 66, estendidas ao âmbito municipal pelo princípio da simetria. Nos termos do art. 41 da Lei Orgânica, o Chefe do Poder Executivo pode vetar, de forma expressa e irretratável, total ou parcialmente, projeto de lei aprovado pelo Legislativo, fundamentando-se na inconstitucionalidade (veto jurídico) ou na contrariedade ao interesse público (veto político). O ato deve ocorrer no prazo de quinze dias úteis, com comunicação ao Poder Legislativo em até 48 (quarenta e oito) horas.
No caso concreto, verifica-se que o Poder Executivo se manifestou dentro do prazo legal, observando-se, igualmente, os demais requisitos do art. 66 da Constituição Federal. O veto foi formalizado de maneira expressa, escrita e fundamentada. Assim, deverá ser submetido à apreciação do Plenário desta Casa Legislativa no prazo de trinta dias, somente podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos vereadores, conforme §4º do art. 66 da CRFB e art. 42 da Lei Orgânica. Segue in verbis a redação contida nos artigos 41 e 42 da Lei Orgânica do Município:
“Art. 41 – O Projeto de lei aprovado será enviado como autógrafo, ao Prefeito que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º - Se o Prefeito considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento e comunicara, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente da Câmara os motivos do veto.
§ 2º - O veto parcial somente abrangera texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silencio do Prefeito importara em sanção.
Art. 42 – O veto será apreciado pela Câmara, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos membros da Câmara, em escrutínio secreto.
§ 1º - Se o veto não for mantido, será o texto enviado ao Prefeito para promulgação.
§ 2º - Esgotado sem deliberação o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final, ressalvadas as matérias referidas no artigo 40, § 1º.”
O Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapemirim disciplina o procedimento de apreciação de vetos nos arts. 74, 91, 145 e 205, inciso V. Todavia, cumpre observar que, em caso de conflito, prevalecem as disposições contidas na Constituição Federal, em razão de sua supremacia normativa.
O princípio da simetria, consolidado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, impõe que os entes subnacionais adotem em suas Constituições e Leis Orgânicas um modelo mínimo compatível com a Constituição Federal, especialmente em matérias estruturantes do processo legislativo e da organização dos Poderes. Assim, ainda que a autonomia municipal assegure espaço para regulamentações próprias, não se admite disciplina que contrarie frontalmente o modelo previsto na Carta Federal, notadamente em temas que dizem respeito ao equilíbrio entre Executivo e Legislativo, à forma de exercício do controle e ao processo de apreciação de vetos.
A Lei Orgânica Municipal (art. 42) manteve a redação anterior da Constituição Federal, exigindo o escrutínio secreto para apreciação do veto. Ocorre que, com a Emenda Constitucional nº 76/2013, o § 4º do art. 66 da CRFB suprimiu a exigência de sigilo, passando a determinar apenas a votação pela maioria absoluta. Dessa forma, pelo princípio da simetria, a redação da Constituição deve prevalecer como parâmetro, tornando inaplicável a exigência de voto secreto na LOM. Ademais, o próprio Regimento Interno da Câmara (art. 205, V) já prevê o voto nominal para a apreciação de veto, em harmonia com a redação constitucional atual. Nesse sentido precedente há precedentes no sentido de “confirmar a imposição da OBRIGAÇÃO DE FAZER determinada pela decisão agravada para que a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas realize escrutínio não secreto (votação aberta) quando tratar da apreciação de veto governamental” (Ag. nº 20.2016.8.02.0000, TJAL, Rel. Des. Fábio José Bitencourt Araújo).
O art. 74 do Regimento Interno prevê a apresentação de Projeto de Decreto Legislativo pela Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final quando da apreciação do veto. Todavia, pelo princípio da simetria, tal procedimento não encontra respaldo no modelo constitucional, que estabelece votação direta do veto pelo plenário, exigindo quórum de maioria absoluta. Como a Constituição Federal não condiciona a rejeição de veto à elaboração de decreto legislativo, mas apenas à votação direta pela Casa Legislativa, bem como o PDL é proposição cujo quórum de aprovação (maioria) difere da exigida no art. 66 da CRFB (maioria qualificada), conclui-se que o dispositivo regimental possui aplicabilidade limitada, devendo prevalecer o rito estabelecido na Constituição e na Lei Orgânica Municipal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reforça esse entendimento. No julgamento da ADI 486/DF, a Corte analisou alteração constitucional do Estado do Espírito Santo que previa quórum especial de quatro quintos para aprovação de emendas constitucionais estaduais, em divergência com o quórum de três quintos estabelecido na Constituição Federal. Embora, em tese, o ente federado pudesse, no exercício de sua autonomia, adotar regra mais rígida, o STF assentou que o art. 25 da CRFB impõe respeito aos princípios constitucionais federais, aplicando o princípio da simetria inclusive a situações regidas por regras procedimentais. Tal decisão evidencia que disposições subnacionais que destoem do modelo federal em matéria de quórum e processo legislativo tendem a ser consideradas incompatíveis, razão pela qual a disciplina regimental do art. 74 não pode prevalecer sobre o parâmetro estabelecido pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica Municipal.
De acordo com o Regimento Interno, compete à COLEJUR manifestar-se sobre o processo, opinando pela aceitação ou rejeição do veto. Considerando o lapso temporal verificado nos autos, aplica-se o disposto no art. 152, parágrafo único, inciso III, combinado com o art. 184, inciso V, ambos do RI, resultando na incidência do regime de urgência simples, com votação e discussão em turno único. Ressalte-se, ainda, que a apreciação da matéria deve ocorrer mediante votação nominal, nos termos do art. 205, inciso V, do RI, combinado com Emenda Constitucional nº 76 de 2013.
Neste linear, opina-se pela constitucionalidade do procedimento adotado no veto integral aposto pelo Exmo. Prefeito ao autógrafo do Projeto de Lei Ordinária nº 039/2025, por observância ao rito previsto no art. 66 da CRFB e nos arts. 41 e 42 da LOM. Não se reconhece a alegação de inconstitucionalidade formal apresentada na Mensagem de Veto, tendo em vista que o projeto de lei apenas estabelece diretrizes de interesse local (CF, art. 30, I), sem criar despesas obrigatórias ou atribuições, encontrando respaldo na jurisprudência do STF quanto à possibilidade de atuação parlamentar em matérias dessa natureza.
Diante do exposto, incumbe ao Plenário desta Egrégia Casa de Leis deliberar sobre o veto, cuja rejeição somente poderá ocorrer pelo voto da maioria absoluta dos membros. Quanto à análise da existência de interesse público, esta Procuradoria Jurídica não se pronuncia, por se tratar de juízo político afeto exclusivamente aos vereadores, no exercício da função legislativa, observadas as formalidades legais e regimentais aplicáveis.
|