Recebimento: 31/03/2025 14:48:43 |
Fase: Elaborar Parecer Jurídico |
Setor:Procuradoria Geral |
Envio: 02/04/2025 20:14:40 |
Ação: Parecer(s) Emitido(s)
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Tempo gasto: 2 dias, 5 horas, 25 minutos
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Complemento da Ação: I - RELATÓRIO
Cuida-se do Projeto de Lei Ordinária nº 017/2025, de iniciativa do Vereador Paulo de Oliveira Cruz Neto, que “DISPÕE SOBRE CARTEIRA MUNICIPAL DE IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - CIPTEA, CONFORME LEGISLAÇÃO FEDERAL”. Consta nos autos o texto integral da proposição, acompanhado de sua respectiva justificativa.
Observados os trâmites regimentais, o projeto foi submetido à publicidade e à deliberação na 7ª Sessão Ordinária do presente exercício legislativo, sendo, na sequência, encaminhado a esta Procuradoria para manifestação jurídica.
II – DA COMPETÊNCIA MATERIAL E LEGISLATIVA
Nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), combinado com o art. 8º, inciso I, da Lei Orgânica do Município de Itapemirim (LOM), compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local. De igual modo, o art. 23, inciso II, da Carta Magna c/c art. 9, II da LOM estabelece ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover a saúde, assistência pública e proteção das pessoas com deficiência. Complementarmente, o art. 24, inciso XIV, prevê a competência concorrente para legislar sobre a proteção e a integração social dessas pessoas.
Tais previsões, em harmonia com os dispositivos constitucionais citados, reforça a legitimidade material da atuação legislativa local voltada à inclusão e proteção das pessoas com Transtorno do Espectro Autista – TEA. Além disso, o art. 30, inciso II, da Constituição Federal também autoriza o Município a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, o que se aplica ao presente caso, diante da existência de norma federal (Lei nº 13.977/2020) que estabelece diretrizes nacionais para emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA, cuja operacionalização local demanda regulamentação específica adaptada à realidade municipal.
III – DOS FUNDAMENTOS INFRACONSTICUIONAIS
A presente proposição encontra amparo em normas infraconstitucionais que estabelecem direitos específicos às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), reconhecendo sua condição como deficiência para fins legais e assegurando mecanismos de identificação e inclusão social.
Nos termos do §2º do art. 1º da referida Lei nº 12.764/2012, a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência, o que lhe garante a proteção integral dos direitos fundamentais previstos na Constituição e em normas infraconstitucionais correlatas.
A Lei Federal nº 13.977, de 8 de janeiro de 2020, conhecida como “Lei Romeo Mion”, alterou a Lei nº 12.764/2012 para instituir, em todo o território nacional, a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA. Essa legislação estabelece diretrizes para que Estados, Municípios e o Distrito Federal adotem mecanismos administrativos voltados à emissão do documento, respeitando as competências locais para regulamentação e expedição.
A implementação da CIPTEA pelo Município de Itapemirim, por meio de lei ordinária, encontra respaldo jurídico justamente na necessidade de efetivar, em âmbito local, os direitos assegurados pela legislação federal às pessoas com TEA. Não se trata, portanto, de criação de nova política pública autônoma, mas de regulamentação administrativa local de norma nacional de observância obrigatória.
Nesse contexto, a legislação federal fixou requisitos objetivos e informações mínimas a constarem na CIPTEA, conforme previsto no art. 3º-A da Lei nº 12.764/2012, inserido pela Lei nº 13.977/2020. Assim, eventual norma municipal que disponha sobre o tema deverá observar, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
Inclusão do campo de filiação da pessoa com TEA, nos dados constantes da Ciptea (art. 3º-A, inciso I);
Indicação do local de nascimento do identificado (art. 3º-A, inciso I);
Previsão de assinatura ou impressão digital da pessoa com TEA (art. 3º-A, inciso II);
Exigência dos dados completos do responsável legal ou cuidador, incluindo documento de identificação, endereço residencial e e-mail, e não apenas nome e telefone, como atualmente previsto (art. 3º-A, inciso III);
Identificação expressa da unidade da Federação e do órgão expedidor, além da assinatura do dirigente responsável pela emissão do documento (art. 3º-A, inciso IV);
A inclusão desses elementos no texto legislativo é imprescindível para garantir sua compatibilidade formal com a legislação federal, evitando vício de legalidade e assegurando a eficácia da política pública de proteção e identificação das pessoas com TEA no âmbito do Município de Itapemirim. Assim, recomenda-se a apresentação de emenda à proposição legislativa pelo autor do projeto, a fim de adequar integralmente o conteúdo da norma municipal aos requisitos estabelecidos pela Lei nº 13.977/2020, especialmente no que tange às informações obrigatórias constantes da CIPTEA.
IV – DA RESERVA DE INICIATIVA LEGISLATIVA
A iniciativa legislativa no âmbito municipal é regida, entre outros dispositivos, pelo art. 124 da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, que expressamente prevê que a apresentação de projetos de lei cabe a qualquer vereador, às comissões permanentes, ao prefeito e aos cidadãos, ressalvadas as hipóteses de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, conforme determinação legal específica.
No presente caso, o Projeto de Lei Ordinária nº 017/2025 tem por objeto a regulamentação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA, conforme previsto na Lei Federal nº 13.977/2020. A proposição não trata da criação de cargos, funções, reestruturação de órgãos da administração ou alteração do regime jurídico de servidores, tampouco interfere na organização interna do Poder Executivo. Assim, não se identifica qualquer afronta ao rol taxativo de matérias de iniciativa privativa do Prefeito, seja nos termos da Constituição Federal (art. 61, §1º), da Constituição Estadual (art. 63, parágrafo único), ou da própria Lei Orgânica Municipal (art. 36, II).
A justificativa do projeto, inclusive, destaca que a proposta visa unicamente regulamentar, no plano local, a aplicação de diretriz legal federal de observância obrigatória, voltada à proteção das pessoas com TEA. A atuação legislativa do vereador, neste contexto, dá concretude ao princípio da predominância do interesse local e à competência suplementar do Município (CF, art. 30, incisos I e II), não havendo inovação sobre matéria de iniciativa exclusiva do Executivo.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no sentido de afastar a presunção de inconstitucionalidade formal de leis de iniciativa parlamentar que importem em criação indireta ou genérica de despesa pública, desde que não invadam matérias de competência privativa do Chefe do Poder Executivo. No julgamento do RE 878.911/RJ, com repercussão geral reconhecida (Tema 917), fixou-se a tese de que não configura usurpação de competência privativa do Executivo a edição de lei de iniciativa parlamentar que, embora crie despesa, não trate da estrutura administrativa, das atribuições de órgãos ou do regime jurídico de servidores públicos, nos termos do art. 61, §1º, II, da Constituição Federal.
No presente caso, verifica-se que o Projeto de Lei Ordinária nº 017/2025 não implica aumento direto de despesa pública, tampouco cria cargos, funções, gratificações ou interfere na estrutura organizacional da Administração Municipal. O projeto se limita a regulamentar, em âmbito local, a emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA, em consonância com os ditames da Lei Federal nº 13.977/2020. Trata-se, portanto, de medida de execução administrativa vinculada a política pública já prevista em norma federal de observância obrigatória, não estando presente qualquer vício de iniciativa legislativa.
V – DA ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS E IMPACTOS JURÍDICOS
O Projeto de Lei Ordinária nº 017/2025 apresenta, em linhas gerais, estrutura normativa compatível com o ordenamento jurídico vigente. Os arts. 1º a 3º são adequados quanto à instituição da CIPTEA, à definição de sua finalidade e à indicação do órgão responsável pela emissão, estando coerentes com a norma federal. Os arts. 4º e 5º também observa os elementos básicos que devem constar na carteira de identificação, embora, conforme já analisado anteriormente neste parecer, necessite de complementação quanto aos requisitos obrigatórios previstos no art. 3º-A da Lei nº 12.764/2012, o que demandará a apresentação de emenda à proposição.
Quanto ao art. 6º, que trata da validade do documento e da necessidade de renovação, sua redação é compatível com o caráter administrativo da emissão da carteira, não gerando incompatibilidade jurídica. O mesmo se aplica ao art. 7º, que enuncia os direitos vinculados à posse da CIPTEA, os quais são respaldados pelas Leis Federais nº 12.764/2012 e nº 13.977/2020, sem extrapolação indevida de conteúdo normativo.
O art. 8º estabelece a obrigação de regulamentação da lei pelo Poder Executivo no prazo de 60 dias. Trata-se de previsão adequada, uma vez que remete à normatização administrativa infralegal para viabilizar a implementação prática da política pública, sem, contudo, invadir a competência exclusiva do Prefeito.
VI – QUÓRUM DE APROVAÇÃO E PROCEDIMENTO REGIMENTAL
Quanto ao quórum necessário para aprovação da matéria, em vista ao que aduz o art. 200 do Regimento Interno, por inexistir previsão expressa em sentido contrário, será adotado no caso em comento a maioria simples como número mínimo de votos para apreciação e aprovação da matéria. Deve-se atentar a imprescindibilidade de análise pela Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final (art. 79 do RI).
VII - CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se pela constitucionalidade, legalidade e regularidade formal do Projeto de Lei Ordinária nº 017/2025, no que tange à sua iniciativa, à matéria legislada e ao procedimento legislativo aplicável. Contudo, recomenda-se a apresentação de emenda à proposição, nos termos já expostos no presente parecer, com o objetivo de adequar o conteúdo normativo local às exigências estabelecidas na Lei Federal nº 13.977/2020, especialmente quanto aos elementos obrigatórios a serem inseridos na CIPTEA.
No que tange a verificação da existência de interesse público, a Procuradoria Jurídica não irá se pronunciar, pois caberá tão somente aos vereadores no uso da função legislativa, verificar a viabilidade ou não desta preposição, respeitando-se para tanto as formalidades legais e regimentais.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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