Complemento da Ação: Cuida-se do Projeto de Lei Ordinária nº 032/2025, de iniciativa do Vereador Paulo de Oliveira Cruz Neto, que “DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE REPARO DE CALÇADAS DANIFICADAS PELO SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO (SAAE) NO MUNICÍPIO DE ITAPEMIRIM”. Consta nos autos o texto integral da proposição, acompanhado de sua respectiva justificativa.
Observados os trâmites regimentais, o projeto foi submetido à publicidade e à deliberação na 14ª Sessão Ordinária do presente exercício legislativo, sendo, na sequência, encaminhado a esta Procuradoria para manifestação jurídica.
Nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), combinado com o art. 8º, inciso I, da Lei Orgânica do Município de Itapemirim (LOM), compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local. Desta forma, a matéria não conflita com a competência privativa da União Federal (art. 22 da CRFB), bem como não conflita com a competência concorrente entre os Entes Federativos (art. 24 da CRFB).
A iniciativa legislativa no âmbito municipal é regida, entre outros dispositivos, pelo art. 124 da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, que expressamente prevê que a apresentação de projetos de lei cabe a qualquer vereador, às comissões permanentes, ao prefeito e aos cidadãos, ressalvadas as hipóteses de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
O art. 36 da Lei Orgânica Municipal estabelece as hipóteses taxativas de proposições cuja iniciativa é privativa do Chefe do Poder Executivo (vide alíneas “a”, “c” e “e” do §1º do art. 61 da CRFB), conforme segue:
“Art. 36 – São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que:
I – fixem ou modifiquem o efetivo da Guarda Municipal;
II – que disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, e suas respectivas remunerações;
b) servidores públicos do Município, com regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
c) criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos de administração pública municipal.”
Neste linear, cumpre ponderar se os dispositivos legais contidos no projeto de lei sob análise encontrariam incompatibilidade com as hipóteses de matérias de competência privativa do Poder Executivo, em especial a disposição contida na alínea “c” do art. 36 da LOM.
As disposições contidas, em linhas gerais, estabelecem a obrigatoriedade de o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) realizar os reparos nas calçadas danificadas em razão de obras ou intervenções realizadas pelo próprio órgão. O art. 2º estipula que os reparos devem ser concluídos no prazo máximo de 15 dias após a obra, garantindo condições adequadas de segurança e acessibilidade, com uso de materiais compatíveis. O art. 3º prevê a aplicação de sanções administrativas em caso de descumprimento, conforme regulamentação municipal, enquanto o art. 4º trata da vigência da norma a partir de sua publicação.
Todavia, verifica-se possível vício de iniciativa na proposição, considerando que o projeto de lei impõe obrigações operacionais e prazos ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), entidade autárquica municipal com personalidade jurídica própria, conforme dispõe o art. 1º da Lei Municipal nº 536/1969. De acordo com o art. 2º da referida norma, compete ao SAAE, com exclusividade, operar, conservar e executar as obras e serviços relacionados ao sistema público de água e esgoto, inclusive a atuação em intervenções urbanas decorrentes desses serviços. A criação, modificação ou ampliação das atribuições específicas de entidades da Administração Indireta – como o dever de reparar calçadas em prazo determinado – configura ingerência na estrutura administrativa do Poder Executivo, o que, segundo a alínea “c” do art. 36 da Lei Orgânica do Município, é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Neste sentido, é possível identificar precedente jurisprudenciais que se correlacionam ao tema abordado, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 0015011-61.2021.8.27.2700 contra a Câmara Municipal de Araguaína-TO:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.LEI Nº 3.216/2021, DO MUNICÍPIO DE ARAGUAÍNA/TO, QUE DISPÕE SOBRE OBRIGATORIEDADE DE REPARO DE BURACOS E VALAS ABERTOS NAS ÁREAS PÚBLICAS. INGERÊNCIA NA PRESTAÇÃO/ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. MATÉRIA CUJA REGULAMENTAÇÃO OU ALTERAÇÃO TEM INICIATIVA RESERVADA E PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. ATO NORMATIVO INAUGURADO PELO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL (VEREADOR). VÍCIO DE INICIATIVA CONFIGURADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
Na hipótese, a Arguição de Inconstitucionalidade tem por objeto a Lei Municipal nº 3.216/2021 do Município de Araguaína/TO, que dispõe sobre a obrigatoriedade de reparo de buracos e valas abertos nas áreas públicas no município de Araguaína/TO, deflagrada pela Câmara Municipal de Araguaína/TO (vereador).
Pela leitura do artigo 1º da Lei Municipal nº 3.216/2021, de plano, infere-se que seu objetivo é regulamentar/organizar a prestação de serviços públicos, especialmente em relação à execução de obras ou reparos decorrentes de serviços que impliquem intervenções sobre o pavimento da via ou passeio público.
São de iniciativa privativa do Chefe do Executivo legislar, entre outras matérias, sobre serviços públicos (art. 61, § 1º, inciso II, alínea “b”, da CF/88). Tal disposição foi refletida na Constituição Estadual (art. 27, § 1º, inciso II, alínea “b”). Assim, considerando que o Poder Executivo Municipal é exercido pelo Prefeito Municipal (art. 63, caput, da CE), a ele compete legislar sobre as supracitadas matérias em âmbito local.
A Lei Municipal nº 3.216/2021, objeto do controle de constitucionalidade, regulamentou sobre a execução de obras ou reparos pelas concessionárias/permissionárias decorrentes da prestação dos respectivos serviços públicos, sendo, portanto, matéria cuja regulamentação ou alteração tem iniciativa reservada e privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, em respeito ao comando do artigo 27, § 1º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Estadual.
Não se desconhece a competência concorrente para legislar sobre “assuntos de interesse local”, assim como a de organizar e prestar, direta ou sob regime de concessão ou permissão, serviços públicos de interesse local, conforme previsão constitucional (artigo 30, incisos I e V, CF/88). Entretanto, ainda que a questão tenha alguma ressonância em “interesse local”, os Poderes Legislativo e Executivo devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas constitucionalmente e que encontram reverberação na Constituição Estadual, sob pena de desrespeito ao postulado da separação dos poderes, expressamente consagrado no art. 2º da CF/88.
Ao conferir aos Municípios a capacidade de auto-organização e de autogoverno, a Constituição da República impõe a obrigatória observância de princípios, fixando como regra de cumprimento obrigatório do processo legislativo a iniciativa privativa do Chefe do Executivo em determinadas matérias, como evidenciado no presente caso, razão pela qual é vedado à Câmara Municipal (vereador) iniciar processo legislativo sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Prefeito Municipal.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade ex tunc da Lei nº 3.216, de 02 de julho de 2021, do Município de Araguaína/TO, por afronta ao art. 27, § 1º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Estadual do Tocantins c/c art. 61, § 1º, inciso II, alínea “b”, da CF/88. (ADI Nº 0015011-61.2021.8.27.2700/TO; TRIBUNAL PLENO, 03/11/2022)”
Assim, a despeito da relevância da matéria e do interesse público evidente em promover a recuperação de calçadas danificadas, a forma legislativa adotada padece de vício formal de iniciativa, por invadir competência legislativa reservada ao Executivo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que leis de iniciativa parlamentar que disponham sobre atribuições de órgãos da Administração Pública violam o princípio da separação dos poderes (CRFB, art. 2º), por mais meritórias que sejam suas finalidades.
Quanto ao quórum necessário para aprovação da matéria, em vista ao que aduz o art. 200 do Regimento Interno, por inexistir previsão expressa em sentido contrário, será adotado no caso em comento a maioria simples como número mínimo de votos para apreciação e aprovação da matéria.
Diante da análise empreendida, conclui-se que, embora o Projeto de Lei Ordinária nº 032/2025 não trate de matéria de competência privativa da União, sua temática envolve a imposição de deveres administrativos e operacionais a entidade autárquica municipal (SAAE), cuja coordenação e execução integram a estrutura da Administração Pública Indireta, subordinada ao Poder Executivo. Tal circunstância atrai a incidência da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo Municipal, nos termos do art. 36, inciso II, alínea “c”, da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, em consonância com o art. 61, §1º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal.
Tais elementos caracterizam vício de inconstitucionalidade formal, não obstante a regularidade da redação e da tramitação legislativa. Assim, esta Procuradoria opina pela inconstitucionalidade da proposição, razão pela qual opina pela rejeição da proposição em sua forma atual, sem prejuízo de que eventual nova iniciativa legislativa, observado os requisitos legais e constitucionais pertinentes.
No que tange à verificação da existência de interesse público, a Procuradoria Jurídica não irá se pronunciar, pois caberá tão somente aos vereadores no uso da função legislativa, verificar a viabilidade ou não desta preposição, respeitando-se para tanto as formalidades legais e regimentais.
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