Recebimento: 07/10/2024 07:55:10 |
Fase: Elaborar Parecer Jurídico |
Setor:Procuradoria Geral |
Envio: 14/10/2024 20:12:51 |
Ação: Pela Rejeição
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Tempo gasto: 7 dias, 12 horas, 17 minutos
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Complemento da Ação: Trata-se de Projeto de Lei Ordinária nº 032/2024, de autoria do Poder Executivo Municipal, que DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE INSPEÇÃO MUNICIPAL E OS PROCEDIMENTOS OBRIGATÓRIOS DE INSPEÇÃO SANITÁRIA EM ESTABELECIMENTOS QUE MANIPULEM E/OU PROCESSAM PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL NO MUNICÍPIO DE ITAPEMIRIM E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, protocolado em 24 de setembro de 2024. Nos autos computa-se ainda Ofício de encaminhamento, Mensagem nº 331/2024 e corpo do Projeto de Lei Ordinária.
Realizado os presentes procedimentos, foi submetido o projeto para publicidade e apreciação na Sessão Ordinária de 02 de setembro de 2024, após fora encaminhado para presente manifestação jurídica.
Eis o breve relatório.
Inicialmente, insta salientar que a presente manifestação jurídica se limita a estrita dúvida jurídica abstrata, posto que não se adentra aos aspectos técnicos, econômicos, financeiros, administrativos e/ou demais questões que exijam o exercício de conveniência e discricionariedade da Administração Pública. Note-se ainda que o Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU orienta que o órgão consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência e oportunidade.
Neste linear, verifica-se a ausência de vícios de competência na inciativa, projeto devidamente instruído com justificativa e observando o rito adequado do processo legislativo. Em observação ao tema, o art. 30, inciso I da Constituição Federal verifica-se a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local c/c art. 36, inciso II, alínea c da Lei Orgânica.
A Lei Orgânica do Município de Itapemirim define a competência comum do Município “fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar” (vide art. 9º inciso VIII). Verifica-se que o projeto de lei ordinária dispõe sobre o que prevê o art. 211 da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, ao conferir que a matéria deverá ser tratada por meio de Lei Complementar. Eis o vício de constitucionalidade em relação a hierarquia das normas, pois a proposição por lei ordinária, visa regular matéria que a Lei maior do Município, a lei Orgânica, prevê maior rigidez no trato, ou seja, estabelece que tal matéria será regulada por lei complementar.
Neste sentido, a Lei Estadual nº 10.541/2016, que dispõe sobre a obrigatoriedade da prévia inspeção e fiscalização dos dos produtos e subprodutos de origem animal no Estado do Espírito Santo, prevê em seu Art.7º, e os §2º e §3º o seguinte:
“Art. 7º. Os estabelecimentos industriais e os entrepostos de produtos de origem animal em todo o Estado do Espírito Santo só poderão funcionar na forma da legislação vigente e mediante prévio registro em órgão competente. (...)
§ 2º Os estabelecimentos que comercializarem produtos e subprodutos de origem animal, apenas no âmbito de seu município, deverão realizar os registros no respectivo Serviço de Inspeção Municipal – SIM, coordenado pela Secretaria de Agricultura do Município pertinente, ou, na ausência deste, deverão registrar-se no SIE ou Serviço de Inspeção Federal – SIF.
§ 3º Os estabelecimentos varejistas e/ou atacadistas que realizarem a distribuição ou venda direta de produtos de origem animal, sem ocorrência de industrialização, mantendo as características de acondicionamento recomendada nas informações de rotulagem, deverão possuir a certificação sanitária ou documento legal similar, nos termos da legislação sanitária municipal vigente.”
A Lei Federal 8.171/1991, dispõe sobre a política agrícola, a qual, com a redação atualizada pela Lei 9.712/1998 que acrescentou dispositivos referentes à defesa agropecuária, em especial os art. 27-A e 29-A, conforme segue:
“Art. 27-A. São objetivos da defesa agropecuária assegurar:
I – a sanidade das populações vegetais;
II – a saúde dos rebanhos animais;
III – a idoneidade dos insumos e dos serviços utilizados na agropecuária;
IV – a identidade e a segurança higiênico-sanitária e tecnológica dos produtos agropecuários finais destinados aos consumidores.
§ 1º Na busca do atingimento dos objetivos referidos no caput, o Poder Público desenvolverá, permanentemente, as seguintes atividades:
I – vigilância e defesa sanitária vegetal;
II – vigilância e defesa sanitária animal;
III – inspeção e classificação de produtos de origem vegetal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico;
IV – inspeção e classificação de produtos de origem animal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico;
V – fiscalização dos insumos e dos serviços usados nas atividades agropecuárias.
§ 2º As atividades constantes do parágrafo anterior serão organizadas de forma a garantir o cumprimento das legislações vigentes que tratem da defesa agropecuária e dos compromissos internacionais firmados pela União.”
“Art. 29-A. A inspeção industrial e sanitária de produtos de origem vegetal e animal, bem como a dos insumos agropecuários, será gerida de maneira que os procedimentos e a organização da inspeção se façam por métodos universalizados e aplicados equitativamente em todos os estabelecimentos inspecionados.
§ 1º Na inspeção poderá ser adotado o método de análise de riscos e pontos críticos de controle.
§ 2º Como parte do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, serão constituídos um sistema brasileiro de inspeção de produtos de origem vegetal e um sistema brasileiro de inspeção de produtos de origem animal, bem como sistemas específicos de inspeção para insumos usados na agropecuária.
§ 3º É instituído o Sistema de Gestão de Serviços de Inspeção (eSisbi) no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para cadastro dos serviços oficiais de inspeção e fiscalização dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos consórcios municipais, bem como dos estabelecimentos e dos produtos de origem animal.
§ 4º Os serviços oficiais de inspeção dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos consórcios municipais, devidamente cadastrados no e-Sisbi, integram o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-Poa) previsto no § 2º deste artigo.
§ 5º O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento editará norma para definir os objetivos e as metas nacionais de inocuidade e de conformidade dos produtos de origem animal, que deverá ser observada pelos serviços de inspeção dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos consórcios municipais integrantes do Sisbi-Poa.
§ 6º O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento auditará os serviços de inspeção dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos consórcios municipais integrantes do SisbiPoa, com o objetivo de verificar a equivalência com o Serviço de Inspeção Federal.
§ 7º Fica autorizado o comércio interestadual dos produtos sob inspeção dos serviços integrantes do Sisbi-Poa, mediante prévio cadastro dos estabelecimentos e dos produtos no e-Sisbi, realizado pelos respectivos serviços de inspeção.
Nesta seara, observa-se que o Projeto de Lei Ordinária necessita ser apreciado pelas comissões competentes, conforme dispõe o art. 75 do R.I., para que se manifestem sobre os aspectos da proposição legislativa.
De forma conclusiva, observa-se uma incongruência formal quanto à espécie normativa utilizada, uma vez que a Lei Orgânica do Município de Itapemirim, exige que o tema seja regulamentado por meio de Lei Complementar, conforme dispõe art. 211 da LOM.
Art. 211 – Lei Complementar estabelecera obrigatoriedade sobre a fiscalização e a inspeção industrial e sanitária em todos os produtos de origem animal, comestíveis e não comestíveis com adicionamento ou não de produtos vegetais. (nosso grifo)
Repete-se, esse dispositivo, impõe um requisito de maior rigor legislativo, demandando a elaboração de uma norma complementar para tratar desse tipo de matéria. Nesse contexto, a jurisprudência e a doutrina são claras ao definir a distinção entre leis ordinárias e complementares. A Lei Complementar exige um processo legislativo mais rigoroso, tanto em termos de aprovação, com quórum qualificado, quanto em relação à complexidade da matéria tratada.
Dessa forma, verifica-se que o objeto do presente projeto, por tratar de inspeção e fiscalização de produtos de origem animal, está diretamente vinculado ao previsto no art. 211 da Lei Orgânica, o que demanda a elaboração de uma Lei Complementar, e não de uma lei ordinária, como apresentado. A adoção de uma Lei Ordinária para regulamentar esse tema constitui uma inadequação formal que pode acarretar a inconstitucionalidade da norma, caso venha a ser aprovada e tal vício não é sanável pelo poder legislativo, sob pena de “com um cobertor curto” resolver uma inconstitucionalidade, e descobrir outra, a do vício de competência na iniciativa.
Conclui-se, portanto, que o projeto de lei ora analisado não está apto ao prosseguimento, nem saneamento nesse poder legislativo, devendo ser arquivado por vício insanável de constitucionalidade, o que não impede a adequação do Poder Executivo, inclusive reformulando a mesma matriz de proposição para tramitar na forma de Lei Complementar, em conformidade com as exigências da Lei Orgânica Municipal, a fim de garantir a validade jurídica e constitucionalidade da proposição. Portanto, vislumbrando-se óbice quanto a legalidade e constitucionalidade do pretendido, por vício insanável no Legislativo, opino pelo arquivamento do feito.
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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